Em 1984 Eduardo Lourenço publica
Ocasionais I - 1950-65 e no prefácio que intitula “Quase-Justificação” (Nice, Novembro de 1965 - Junho 1982) são bem explícitas as razões que o levam a editar alguns “escritos de circunstância” sobre os quais “recebeu apenas o eco atenuado de rumores sem face ou a pura moeda do silêncio” supondo “que embora “ocasionais”, os escritos agora de novo postos a flutuar balizem no interior da aventura cultural portuguesa um itinerário intelectual enraizado num destino mais vasto que o do simples indivíduo”, acrescentando ainda: “As páginas que de novo se publicam (ou as inéditas) não tratam “ex-professo” do que foi um combate espiritual, cultural e ideológico de múltiplas incidências e constantes metamorfoses, mas a sua trama está presente, por assim dizer, em cada uma das suas linhas. Isso as tornará afinal menos “ocasionais” do que o autor em certo sentido as desejaria, para que respondessem melhor ao clima mental do tempo em que “aparecem” menos maniqueísta, crispado e trágico (mau grado as aparências) que o que lhe deu origem”.
E Eduardo Lourenço conclui o seu prefácio com estas palavras: “Enquanto essa hora não chegar só fragmentos, ecos do que foi para muitos a única maneira de estar vivos, vigilantes e livres entre as paredes desse silêncio bifronte, nos serão consentidos. Mas eles bastarão para que se adivinhem os contornos da peregrinação inteira. Tal é, pelo menos, a nossa esperança e só ela nos incita a retirar das acolhedoras folhas que nos serviram de refúgio, no tempo do silêncio, esta série de páginas agora largadas na vida como se nunca lá estivessem estado. Ao desejo do diálogo dos seus leitores possíveis as endereçamos. Que ele seja um melhor espelho que o do silêncio que elas afrontaram para existir”.
Durante os trabalhos de catalogação do seu Acervo a pouco e pouco foi possível reunir vários documentos que, em certa medida, nos dão o
iter dos diferentes projectos para o volume dos “escritos de circunstância”, documentos que são reproduzidos neste site (cf. Bibliografia-
Ocasionais I) e que se foram agrupando aos já existentes metidos em pequena pasta na qual um título, escrito por EL, diz: “
Ocasionais I (e textos censurados)”.
O primeiro documento –
Ocasionais Primeira Série – tem a data de “1958-59” enquanto que o segundo,
Ocasionais I, indica uma maior extensão de ensaios a incluir no desejado volume. No terceiro documento, sempre com o mesmo título, e datado “Lisboa 1963” há já uma distribuição mais selectiva dos ensaios, na medida em que eles são agrupados por áreas temáticas: “I Filosofia Cultural”, “II Crítica Literária”, “III Divagação Brasileira”, “IV Sociologia Cultural” e finalmente “V Marginalia”
No quarto documento “
Ocasionais I, 1950-1965” em que essa áreas passam a ser apenas duas – “Filosofia e Cultura”; “Crítica Cultural” – a longa lista dactilografada dos títulos dos 26 ensaios escolhidos, com observações pertinentes sobre pequenas falhas ou incoerências do projecto (lista enviada pelo editor?) leva-nos a crer ter havido a possibilidade mais concreta e próxima de edição, hipótese que ainda é mais verídica no quinto documento –
Ocasionais I, Crítica mítico-dialéctica - 19 -1965 – pois aparece já um prefácio com o título “Quase-justificação” e a mesma epígrafe “O exílio é silencioso – Sampaio Bruno” contudo o parágrafo inicial será suprimido, mais tarde, na edição definitiva:
Não publicar livros supérfluos: assim entendia, já lá vão trinta anos, um pensador hispânico a grande obra de caridade do nosso tempo. Hoje, Ortega y Gasset, teria desejado talvez alguma prescrição legal para dique da universal inundação de papel escrito. Se flagrantes motivos falam em favor da abstenção literária em geral, que justificação bizantina pode encontrar um autor disposto a conceder precário interesse ao que ele mesmo intitula de “ocasional”?
No sexto documento datado de 1996 regista-se a alteração do título inicial que passa a
Intemporais mas um último projecto, escrito em folha de bloco de correspondência com o cabeçalho “Hotel Príncipe” e a data “12-7-03”, retoma-o, para indicar o desejo de organização de outro volume, desta vez com o título
Ocasionais II.
No cruzar constante de necessárias e repetidas leituras de documentos que constituem um Acervo e que, na maioria dos casos, são meras folhas soltas esparsas, encontradas entre outros documentos não afins, há milagres de acaso ou de persistência. Após a leitura de um texto de seis páginas não numeradas mas assinado e datado “S. Pedro do Rio Seco, 21 de Julho de 1980”, com o título “Memorial”, concluímos que se tratava de um prefácio inédito para
Ocasionais I de cuja existência nem Eduardo Lourenço se lembrava. Com efeito, e por muitos esforços de memória que fizesse, foi-lhe difícil encontrar uma explicação para o não ter publicado em 1984, “perdeu-se?”, “não foi oportuno porque se sobrepuseram outras ideias?”, mas regozijou-se por ele existir, afirmando “é mais um texto de Heterodoxias que foi esquecido e porquê? haverá ainda outros? as surpresas que ofereço a mim mesmo….”. Bastaria este motivo para ser agora publicado num site que é seu.