O Canto do Signo. Existência e Literatura (1957-1993), 1994 Lisboa, Editorial Presença
[…] Convém acentuar devidamente este ponto: não é possível fazer a história moderna e contemporânea da literatura portuguesa sem um estudo aprofundado de alguns principais textos de “O Canto do Signo” […] A organização do volume, em torno de três eixos, e seguindo a ordem de redação de cada um dos ensaios, provoca alguns salto no tempo, mas este pormenor, que de início pode perturbar o leitor, ao encontrar Almeida Faria entalado entre Aquilino e Eça, acaba por ser extremamente interessante para quem pretende seguir a próxima elaboração do pensamento de Eduardo Lourenço. Porque não se trata nem de comentários mais ou menos circunstanciais a textos literários, nem de abordagens meramente universitárias (e por isso facilmente empilháveis), mas de um verdadeiro pensamento da literatura e, no mesmo gesto, de uma proposta de interpretação global da história literária do século XIX e XX (sendo, neste ponto, fundamental a leitura do ensaio de fecho “Dois fins-de-século”) e de um tentativa de caracterização dos grandes problemas do nosso tempo. Não se pode dizer que seja pouco.

Os três eixos a que me referi são os seguintes: em primeiro lugar, as grandes linhas de uma ontologia da literatura (que é simultaneamente, na sua linha de fronteira, uma anti-teoria da literatura, e de uma definição da crítica como apaixonante e incontornável missão impossível); em segundo lugar, uma aproximação muito diversificada dos principais nomes da ficção portuguesa (porque a prosa é a dimensão dominante desta colectânea); por fim, uma preciosa recolha de um certo número de análises transversais que definem, com prodigiosa acutilância, as grandes viragens de sensibilidade ideológica e estética na história cultural portuguesa do séc. XX (e, neste capítulo, encontramos sugestões utilíssimas para uma história da ideia de Deus em Portugal, ou para uma história das representações da sexualidade no nosso imaginário colectivo).
Eduardo Prado Coelho, in “Missão Impossível”, Público-Leituras, sábado 27/5/1995.